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domingo, 29 de janeiro de 2012

Na areia da praia


Na areia da praia
Brasil, Paraná, Balneário de Ipanema
Fotos de Zé Paulo



Aqui na orla da praia,....

Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar,
Sem nada já que me atraia, nem nada que desejar,
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio;
O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é;
A glória concede e nega; não tem verdades a fé.

Por isso na orla morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;
Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Dêem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe,
Não quero nada do acaso, senão a brisa na face;
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.

Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,
Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu.

Fernando Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935),



Coruja

Coruja
Brasil, Paraná, Balneário de Ipanema
Foto de Zé Paulo



a coruja
são todo ouvidos
os teus olhos
de vigília.
olhos acesos,
luzeiros
de sabedoria.
olhos atentos
à geografia
do dentro
és uma concha.
um encorujado
caramujo.
monja em voto de silêncio.

Sérgio de Castro Pinto - João Pessoa, 1947



Lagarta

Lagarta
Brasil, Paraná, Caiobá
Outubro 2011
Foto de Zé Paulo



A lagarta
Por sobre as ramas da árvore coleia
A lagarta. E a colear, viscosa e lenta,
O seu aspecto as vistas afugenta
E de tocá-la a gente se arreceia.

Verde-negra, amarela, azul, cinzenta,
Quando o sol as folhagens incendeia,
Sobe a aquecer-se, e à luz solar, aumenta
O asco de vê-la repulsiva e feia.

Mais eis que a encerra do casulo a tumba;
Não penseis que, de todo, ela sucumba
No seu sepulcro eternamente presa.
Qual, do corpo, alma livre, desprendida,
É borboleta: evola-se a outra vida,
Voando feliz, na glória da beleza.


Bastos Tigre - Recife, 12 de março de 1882 — Rio de Janeiro, 1 de agosto de 1957

Ninho

Ninho
Brasil, Paraná, Curitiba
Janeiro 2012
Foto de Zé Paulo




Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...



Miguel Torga - São Martinho de Anta, 12 de Agosto de 1907 — Coimbra, 17 de Janeiro de 1995

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Rio Nhundiaquara

Brasil, Paraná, Morretes
Foto de Zé Paulo
Novembro 2011


Tela Morretense

Morretes dos dias de canícula,
De ardente sol abrasador.
Sol pendurado na celeste gambiarra,
Ativa os teus atores
No prado e na Serra,
Ao som do canto estridente
Da fútil cigarra.

Mas, à tardinha,
O ventro soprando
Da banda do mar,
Transforma o mormaço
Em brisa marinha,
Pondo o sabiá altaneiro a cantar.

E o Nhundiaquara morno e sereno
A passar entre seixos, lírios, jasmins.
Outras vezes encolhendo-se todo
Em poços profundos.
Sôfrego, guarda os brancos lírios,
No seu escuro e misterioso âmago.

E quando a natureza em fúria,
De nuvens o Marumbi envolve,
Em catadupa a água corre,
Em furor o seu leito cobre,
Levando os teus belos lírios
Desfalecido pelo terror.

Cada vez mais para longe...
Longe...
Para o mar!

(Lúcio Borges)

Negro Gato

Brasil, Paraná, Caiobá. 
Foto de Zé Paulo



Negro Gato

Sou um negro gato de arrepiar
Essa minha história é mesmo de amargar
Só mesmo de um telhado, aos outros desacato
Eu sou um negro gato
Eu sou um negro gato

Minha triste história, vou lhes contar
E depois de ouvi-la, sei que vão chorar
Há tempos que eu não sei o que é um bom prato
Eu sou um negro gato
Eu sou um negro gato

Sete vidas tenho, para viver
Sete chances tenho, para vencer
Mas se não comer, acabo no buraco
Eu sou um negro gato
Eu sou um negro gato

Um dia lá no morro, pobre de mim
Queriam a minha pele, para tamborim
Apavorado desapareci no mato
Eu sou um negro gato
Eu sou um negro gato

Sete vidas tenho para viver
Sete chances tenho para vencer
Mas se não comer, acabo no buraco
Eu sou um negro gato
Eu sou um negro gato

Um dia lá no morro, pobre de mim
Queriam a minha pele, para tamborim
Apavorado desapareci no mato
Eu sou um negro gato
Eu sou um negro gato

Eu sou um negro gato
Eu sou um negro gato

Eu sou um negro gato
Eu sou um negro gato

Eu sou um negro gato
Eu sou um negro gato

(Letra da música "Negro Gato" do Roberto Carlos e Erasmo Carlos)